quarta-feira, 24 de agosto de 2011

LEGALIDADE - BRIGADA MAIS ÁGIL QUE O EXÉRCITO

LEGALIDADE. SE HOUVESSE CONFRONTO, A MAIORIA DESERTARIA - DIONE KUHN e NILSON MARIANO, ZERO HORA 24/08/2011

O III Exército não tinha um plano de segurança preventivo, traçado por escrito para fazer frente aos policiais do Estado que haviam tomado os pontos estratégicos do centro de Porto Alegre. Foi tudo de improviso e às pressas. O clima no quartel-general era de tensão. O chefe do Estado-Maior, general Antônio Carlos Muricy, não escondia sua irritação com o fato de a Brigada Militar ter sido mais ágil em relação ao Exército. Não bastasse isso, os discursos cada vez mais inflamados de Leonel Brizola começavam a interferir no emocional das tropas.

Pelo menos oito jovens oficiais e quatro sargentos tiveram de ser recolhidos para o 18º Regimento de Infantaria por manifestarem simpatia pelo governador. Diante da escassez de oficiais, coube a Nelcy Nazzari, 21 anos, cabo da Cia. do QG do III Exército, assumir o comando do 3º pelotão. O cabo Nazzari e os soldados tomaram três prédios na Rua Riachuelo, esquina com a General Portinho: o Instituto Imaculado Coração de Maria, à época um colégio de preparação de freiras, o terraço do edifício Itajubá – onde foram instaladas metralhadoras .50 – e uma oficina mecânica. Por estar numa região elevada, ficava fácil monitorar os passos da Brigada Militar.

As noviças do instituto foram transferidas para a sede de Gravataí, a fim de que parte do prédio ficasse à disposição do pelotão de Nazzari. Para o porão foram levadas armas, munições e mantimentos. Apesar da preocupação constante de um ataque, dentro da congregação o clima era amenizado graças à gentileza da diretora do instituto, Maria Imilda Giordani.

Todos os finais de tarde, após seu retiro espiritual, a madre superiora mandava uma irmã auxiliar distribuir ao grupo cesta com bolinhos salgados e pedaços de cuca. Até santinhos com a imagem da irmã Bárbara Maix, fundadora da congregação, chegaram às mãos dos soldados. No verso, uma mensagem: “Tenham fé! Nada vai acontecer de ruim. Rezo por vocês!”

Apesar de proibido, alguns soldados mantinham aparelhos de rádio escondidos para acompanhar as manifestações de Brizola. Não demorou para surgirem os primeiros sinais de insubordinação. Nazzari lembra que a certa altura passaram a ser frequentes entre os soldados perguntas como “o que estamos fazendo aqui”? e “quem realmente são nossos inimigos?

– Havia no 3º pelotão dois soldados cujos pais eram coronéis da Brigada Militar em Porto Alegre. Em caso de confronto, poderia acontecer que pai e filho, em lados opostos, fossem levados a atirar um contra o outro – observa Nazzari, hoje com 71 anos, advogado radicado há cinco décadas em São Paulo.

Além de o Exército estar em desvantagem em relação à Brigada, um dos fatores que pesaram na decisão do general José Machado Lopes de se aliar ao Movimento da Legalidade foi o fato de o moral da tropa indicar, por meio de uma pesquisa, que se tivessem de ir para o confronto a maioria desertaria ou passaria para o outro lado.

O dia 28 de agosto foi de alívio.

– Bastou um soldado nosso acenar uma toalha branca em direção às bases ‘inimigas’ para o pessoal da Brigada Militar sair de seus esconderijos, esfregando as mãos de alegria, indo ao nosso encontro para abraços e confraternização – lembra Nazzari.

O advogado ainda ficou de prontidão até o dia 9 de setembro, quando finalmente o Instituto Imaculado Coração de Maria foi desocupado pelo 3º pelotão. Dias depois, Nazzari mandou uma carta aos familiares que residiam no Interior:

“Hoje, com grande prazer, quero dar boas notícias minhas. Depois de passar 15 dias de grande expectativa, voltou a reinar a calma em Porto Alegre (...).”

O cabo que viu Cordeiro de Farias chegar

O ex-cabo Marcial Ribeiro (ao lado), hoje com 80 anos, é uma da raras testemunhas que viu na noite de 29 de agosto de 1961, por volta das 22h30min, o general Cordeiro de Farias aterrissar na Base Aérea de Canoas, com a missão de assumir o III Exército no lugar de Machado Lopes, àquela altura destituído do comando por ordem do ministro da Guerra, Odílio Denys, por ter se posicionado em defesa da Legalidade.

Machado Lopes já havia respondido à cúpula militar que prenderia o substituto tão logo pisasse em solo gaúcho. A permanência de Cordeiro de Farias foi rápida, sequer o jatinho Paris pôde sair da cabeceira da pista.

O general foi avisado pelo oficial de operações, tenente Stolzman, de que não poderia desembarcar sob pena de ser preso. Incumbido da tarefa de abastecer o avião, Marcial acompanhou o desenrolar da conversa, que durou poucos minutos.

A Base Aérea estava em rebelião, a hierarquia quebrada. No dia anterior, um grupo de sargentos e suboficiais sabotara os caças Gloster Meteor, impedindo que decolassem com o objetivo de calar Brizola.

– O tenente não deixou o general sair do avião. Sugeriu que ele desembarcasse no Aeroporto Salgado Filho, onde provavelmente seria preso pelas forças de Machado Lopes – conta Marcial, morador do município de Arroio Grande.

Cordeiro de Farias esperava ser recebido na Base Aérea por um oficial alinhado aos ministros militares, mas não havia ninguém. Retornou ao Rio de Janeiro logo depois de abastecido o avião.

No dia 7 de setembro, o da posse de Jango, soldados, cabos e sargentos comemoraram durante almoço a volta da normalidade. Dois meses depois, Marcial começou a ser perseguido por oficiais anti-legalistas. Foi abrigado a deixar a Base, pondo fim à carreira militar.

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