terça-feira, 23 de julho de 2013

O PROVECTO ADORMECIDO


Agamenon Vladimir Silva




Uma reliquia histórica : O Provecto Adormecido no Museu da Brigada Militar. (85.01.001)



Trata-se de um canhão de campanha inglês – Whitworth, modelo 1863, de antecarga, raiado, calibre 4 libras(51mm), de aço fundido, também conhecido com o metal homogêneo, que tem sua alma de forma hexagonal, com doze faces, seis longas e seis estreitas. Na Inglaterra, em 1855, Sir Joseph Whitworth(1803-1887) requereu e obteve, em Manchester, o privilégio para construção de peças de artilharia com a alma poligonal em espiral, aproveitando o abandono da artilharia de alma lisa, que ocorreu no decênio de 1860-1870.

Muitas das vantagens dessa nova artilharia foram atribuídas ao uso dos projéteis alongados, ao contrário dos habituais esféricos, cujo novo formato aumentava consideravelmente o coeficiente balístico. O 2º Império do Brasil comprou a partir de 1863, uma certa quantidade de canhões Whitworth, fabricados entre 1863 e 1874(com exceção de duas) e que eram de antecarga(carregar pela boca). Estes tipos de peças tem a alma hexagonal, e foram fabricadas nos calibres 47mm, 51mm e 54mm(entre ângulos) e foram utilizados pelo exército e pela marinha na Guerra contra o Paraguai(Adler).

O canhão sob exame é um do tipo usado pelo 2º Regimento de Artilharia a Cavalo, a partir de 1872. Este tipo de canhão foi desativado na década de 1880, quando serviam no 4º Regimento de Artilharia a Cavalo, mas voltaram a ser usados na Revolução Federalista, como medida emergencial.(Adler)

Os projéteis disparados pelos canhões Whitworth, com o modelo 1863, de antecarga, raiado, com peso de quatro(4) libras (51mm) de calibre eram maciços, granadas explosivas, shrapnels(boxer) e as lanternetas. As cargas de projeção regulamentares para esse tipo de peça de campanha de quatro(4)libras são: carga de projeção máxima 230g(pólvora nacional marca”C”:carga ordinária padrão: 180g : carga explosiva da granada ordinária: 90g(pólvora nacional marca “A”, na falta, “F” . O maior alcance obtido com carga máxima de 230g de pólvora para projeção do projétil maciço era de 2.048m, com um ângulo de 8º, o que era considerado extraordinário na época, para “um canhãozinho tão pequeno...”

Para sua utilização no território brasileiro, com características muito diversas, o Arsenal da Corte, realizou uma alteração no reparo onde a peça(cano) era assentada, que originalmente era do sistema Scottt (Richard). Até aqui, os dados técnicos conhecidos.


Dados Históricos:

Sobre a utilização do canhão Whitworth, inglês, modelo 1863, de antecarga, raiado, calibre 4 libras(51mm), está registrado ter sido doado pelo Museu Júlio de Castilhos, em 09 de maio de 1985, para o acervo do Museu da Brigada Militar(85.01.001), com a informação de fôra utilizado na Revolução Federalista(1893-1895).

As características próprias dos combates em movimento exigiam o emprego de peças de artilharia leves, tracionadas geralmente por dois muares e que podiam ser mudadas de posição com rapidez e facilidade no acompanhamento dos combates travados pela infantaria.

Quando foram iniciadas as hostilidades no Estado do Paraná, o governo reforçou o parque de artilharia alí existente, atingindo um total de 21 canhões Krupp de 75mm TL. No decorrer dos combates até a queda da Lapa, todo o material enviado existente naquele Estado foi capturado pelas forças revolucionárias. Após os desastres de Paranaguá, Tijucas e Lapa, o governo do estado e o comando do 5º Distrito Militar entraram em pânico. Na artilharia legalista, antes do trágico desfecho dispunha , também, de dois(2) velhos canhões Whitworth de 4 libras e um(1)canhão La Hitte, que foram igualmente capturados quando da tomada da Lapa.

O Retorno:

Em 29 de abril de 1894, o General Federalista Gumercindo Saraiva reconheceu a impossibilidade de invadir o Estado de São Paulo, decidindo-se pelo retorno do Exército Revolucionário para o Rio Grande do Sul, levando consigo parte da artilharia( 8 canhões Krupp 75mm TL), que tinham sido capturados. Não tendo tempo a perder, dividiu suas forças em três colunas independentes e que deveriam fazer junção em Nonoai, no Estado do Rio Grande do Sul.

A 1ª coluna sob o comando de Aparício Saraiva e Torquatao Severo, se fazia acompanhar de uma bateria de artilharia de 3 canhões e 3 metralhadoras.

A 2ª coluna sob o comando de Juca Tigre e Vasco Amaro, com cerca de l.000 cavaleiros e uma bateria de 3 canhões e 3 metralhadoras.

A 3ª coluna sob o comando direto de Gumercindo Saraiva, era constituída de forças de infantaria, cavalaria e os feridos.

Após a primeira reunião das colunas de Gumercindo e Aparício em Campos Novos(Santa Catarina), em 26 de maio de 1894, os Federalista chegarão no Passo do Barracão, junto ao Rio Pelotas.((30 de maio de 1894).

Quanto a coluna de Juca Tigre e Vasco Amaro, que havia tomado o rumo do rio Iguaçu, perseguida intensamente, acabou deixando a artilharia para trás, dissolvendo-se e somente cerca de 300 integrantes conseguiram alcançar o Estado do Rio Grande do Sul.

Aparício Saraiva abandonou toda a artilharia remanescente, antes, desmontando-a e ocultando-a nas matas próximas ao Rio Pelotas.(3 canhões Krupp 75 mm TL e 3 metralhadoras.

O General Gumercindo Saraiva que havia a mais tempo afirmado, “que já deveria ter-se desvinculado deste trambolho... “ conseguiu unir-se a Prestes Guimarães nos campos de Lagoa Vermelha(24 de junho de 1894) sob o assédio das forças legalistas do General José Gomes Pinheiro Machado, um dos comandantes da Divisão Norte.

Mas que fim teriam levado os 3 canhões Whitworth de 4 libras ?

Nesse tempo, de P.Alegre, houve uma remessa, via Buenos Aires, de um esquadrão de artilharia para a Divisão do General legalista, Hipólito Ribeiro, então comandante da guarnição de Uruguaiana, composta de quatro(4) canhões Whitworth, de antecarga, raiados, de calibre 4 libras (51mm), que se juntaram aquelas outras 3 peças, sob o comando do Coronel Aparício Mariense da Silva e usados no combate de Inhanduí.

Qual o destino dos quatro (4) canhôes Whitworth que o Tenente José Maria Macalão, da Divisão Norte, usou para bombardear as tropas de Gumercindo Saraiva e Joca Tavares nas grotas do arroio Ihanduí? Não se sabe!

Na atualidade, preservado para a posteridade, sob os olhos dos curiosos, que ao vê-lo desconhecem a história dessa raridade silenciosa, que permanece na tradição da História do Rio Grande do Sul. Desconsiderada a hipótese um dos canhões ocultos ou perdidos pelos federalistas antes da travessia do Rio Pelotas, resta questionar o registro dos quatro(4) canhões remetidos de P.Alegre. Poderia ser um deles o Provecto Adormecido ? Esta peça de artilharia, símbolo do poder militar de uma época, com sua presença atemorizante, incorporou seu nome na História da Pátria e do Rio Grande do Sul, permanecendo desconhecida a identidade dos seus heroicos artilheiros. Daí, o desfecho e como diz o poeta Luiz Carlos nesse fragmento de “O Canhão”

‘Guardando a expressão de austera indiferença, por tudo que o circunda, atento no infinito, queda-se a meditar no destino maldito, que prende a sua glória a uma tragédia imensa!


Agamenon Vladimir Silva, em P.Alegre, 23 de julho de 2013.


FonteS consultadas:  Adler Homero Fonseca de Castro, Mestre em História, Curador do Museu Militar Conde Linhares(RJ).

Nomenclatura Explicada e Guia do Fogueteiro de Guerra, TC de Art. Dr. Antonio José de Amaral. Ed. 1879. RJ

Manual do Aprendiz-Aratilheiro, Cap.Art.Antonio F.Duarte, ed. 1880

Velhos Regimentos , Gen. Heitor Borges Fortes, Bibliex, 1964.

A Marcha da Divisão Norte, AlbinoJ.F.Coutinho, ed. 1896

Memórias, Gen. Setembrino de Carvalho, Liv. Globo, 1950.






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