domingo, 17 de fevereiro de 2013

UM HERÓI FERIDO

ZERO HORA 17 de fevereiro de 2013 | N° 17346

ATAQUE EM COTIPORÃ


Passados 45 dias de uma das maiores ações criminosas da história do Estado, em que três assaltantes foram mortos e nenhum refém restou ferido após a explosão de uma fábrica de jóias, o único policial militar baleado com gravidade na madrugada de 30 de dezembro, em Cotiporã, vive momentos de angústia.

Oservidor público que protegeu uma família de agricultores e tirou de circulação bandidos que usavam explosivos para roubar bancos, pedágios e empresas vê golpeado, pela primeira vez em 15 anos, o orgulho de vestir a farda da Brigada Militar. Entre os mortos, estava o então foragido número 1 do RS, Elizandro Rodrigo Falcão, 31 anos.

Além do movimento em uma das mãos, o PM de 41 anos, casado e pai de um menino de seis anos, perdeu o vale-alimentação, as horas extras e a gratificação salarial que dobravam seu salário. Além disso, admite que a curto prazo não receberá a promoção anunciada pelo governador Tarso Genro.

A promoção, que tramita na Subcomissão de Avaliação e Mérito de Praças da BM, só ocorrerá quando o soldado for considerado inocente no inquérito aberto pela BM para verificar se os policiais não se excederam no confronto com os assaltantes. O PM também precisará ser inocentado na ação civil pública que tramita na Justiça comum. A seguir, entrevista concedida por ele ao jornal Pioneiro.

ROGER RUFFATO



PM tem perdas salariais

Mesmo que as reduções na folha de pagamento de um policial militar ferido constem no estatuto, a Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar as considera arbitrárias.

Além de perder horas extras e bonificações, o soldado ferido também fica sem direito ao vale-alimentação durante o período de afastamento. Outra luta da entidade é pela garantia de apoio psicológico, não oferecido aos servidores:

– O regulamento é ultrapassado. Temos muitos soldados dispensados por não terem condições de atuar nas ruas, mas que poderiam desempenhar atividades administrativas. Neste caso, o soldado é mutilado psicologicamente porque, para a Brigada, se tu não podes atuar fora, é um inútil – diz o presidente da associação, Leonel Lucas.

Contraponto - O que diz o comandante interino do Comando de Policiamento Ostensivo da Serra, tenente-coronel Leonel Bueno: Ele continua afastado da atividade policial por causa da lesão. Só o tempo irá dizer se ele irá retornar. A legislação não permite que ele receba hora extra por estar em licença de saúde. Mas o vale-alimentação ele recebe normalmente, não é suspenso por objeto de serviço. Pela antiguidade, ele recebia uma diferença de graduação, que é permitida quando há vacância em um cargo superior. No caso, o de sargento.


ENTREVISTA - “Eu poderia nem estar mais aqui”

Policial baleado

Pioneiro – Como vocês estavam armados? E os bandidos?

Policial – Eles estavam com fuzil, pistola e quatro ou cinco armas curtas. Nós tínhamos três fuzis.

Pioneiro – Em que momento o senhor foi baleado?

Policial – Quando eu me protegi atrás da viatura para recarregar a pistola. Levei dois tiros na perna e o meu colega levou estilhaços na canela. Quando sobrou só um bandido (o criminoso achado no mato uma semana depois), ele fez um cordão de reféns para evitar que a gente atirasse nele. Quando eu mandei os reféns se abaixarem, ele atirou no meu braço. Eu tentava negociar a saída dele ou a nossa. No começo, ele queria que nós pegássemos a viatura e fôssemos embora. Depois, tentou negociar para que ele fosse embora. Quando os colegas falaram que não tinha chance, ele fugiu para o mato.

Pioneiro – Você foi logo atendido?

Policial – Não, demorou. Eu estava perdendo sangue, com o braço quebrado.

Pioneiro – Você sofreu algum impacto emocional?

Policial – Todos que estavam envolvidos têm experiência. Não teve nenhum tipo de sequela psicológica.

Pioneiro – O que mudou na sua vida profissional?

Policial – A Brigada está me dando a assistência que preciso. Passei por duas cirurgias, fiquei 17 dias no hospital sem qualquer custo. Mas agora estou afastado, a princípio por seis meses, para recuperação dos movimentos da mão.

Pioneiro – Qual era seu salário antes e quanto recebe agora?

Policial – Nós perdemos parte do sálario quando somos afastados. Perdi a gratificação que ganhava como sargento (embora seja soldado). É complicado perder parte do salário. Quando mais você precisa, o salário é retirado. Mas faz parte do regulamento. Tenho 15 anos na BM, e sempre foi assim.

Pioneiro – Qual sua renda?

Policial – Eu estava recebendo em média R$ 3 mil. Agora recebo em torno de R$ 1,7 mil. O problema é que as contas não param. Só com aluguel nós gastamos R$ 500. Por enquanto, estamos conseguindo encaixar dentro da renda. Não está faltando nada.

Pioneiro – O governador Tarso Genro anunciou, quando visitou Cotiporã, que pediria a promoção dos policiais que atuaram no confronto. Se promovido, o senhor passará de soldado para...

Policial – Nós arriscamos a nossa vida, eu poderia nem estar mais aqui, então seria uma valorização ao policial militar. Eu passaria para segundo-sargento.

Pioneiro – Quando o senhor volta ao serviço?

Policial – A minha expectativa era que fosse o mais rápido possível, mas vai demorar um pouco, pois é preciso que o inquérito aberto para ver se agimos corretamente seja arquivado. Essa demora, financeiramente, acabará me prejudicando.

Pioneiro – E o futuro?

Policial – O meu objetivo é recuperar o movimento da mão. Minha mãe pede que eu saia da Brigada e consiga outro emprego. Mas, depois de passar 15 anos na Brigada, é complicado abandonar tudo.


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