sábado, 11 de fevereiro de 2012

O HERÓI NEGOCIADOR


REFÉNS LIVRES. A tática do negociador que salvou 35 vidas. Major da Brigada Militar fez os contatos com o trio que assaltou agência bancária na Capital - GUILHERME MAZUI, ZERO HORA 11/02/2012

Ao desligar o celular após negociar por mais de quatro horas a liberação de 35 pessoas, o major da Brigada Militar Francisco Vieira, 42 anos, sentia dores por todo o corpo. Um cansaço envolto de alívio. As tratativas que duraram até o anoitecer de quinta-feira asseguraram um desfecho sem disparos e mortes para o assalto à agência do banco Bradesco. A ação de um trio de bandidos paralisou a Avenida Azenha, uma das regiões mais movimentadas da Capital, e mobilizou dezenas de policiais, inclusive atiradores de elite.

Comandante da 3ª Companhia do 1º Batalhão de Operações Especiais (BOE), Vieira estava escalado na quinta-feira para trabalhar no jogo entre Inter e Juan Aurich, na estreia do time gaúcho na fase de grupos da Libertadores. Com a viatura a manobrar no pátio do Estádio Beira-Rio, ouviu no rádio o chamado que mudou sua tarde de quinta-feira.

– Ocorrência com refém na Azenha – informou o aviso.

No minuto seguinte, o celular tocou. Preparado para conter os ânimos de torcedores exaltados, o major assumiu outra função, expressa no ombro direito de sua farda: negociador.

Enquanto Vieira seguia para a agência na Avenida Azenha fardado, do quartel do BOE uma viatura partia para o mesmo endereço com o seu uniforme usado para ocasiões como a que ocorria no banco atacado: calça jeans e camisa polo, conjunto de roupas chamado por ele de “kit de negociação”, mantido no seu local de trabalho. Dessa forma, à paisana, de colete por baixo da roupa, o major pegou o celular e começou a maratona de 20 ligações, que só terminou às 20h20min.

No primeiro contato, agitado e nervoso, o assaltante Gilson Silva dos Santos assumiu as tratativas ao se apresentar como Guerreiro. Desde 1988 na BM, Vieira, pai de três filhos, participou da sua 13ª negociação. Teve de usar a técnica aprendida em cursos e lapidada no Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) – em 2010, trabalhou nos três dias de conversas para solucionar o sequestro de uma mulher em Canoas. Na quinta-feira, tratou de ouvir as exigências dos criminosos.

– Eles tinham medo de morrer. Pediram um carro, familiares, imprensa e ameaçaram matar os reféns – recorda o major, que levou uma hora para tranquilizar o trio.

Os criminosos queriam sair juntos com os reféns, mas para organizar o fluxo e evitar correrias, a BM optou pela liberação a conta-gotas. Às 20h20min, a agência estava vazia. Com o corpo dolorido pelas quatro horas de tensão, Vieira pôde relaxar. Mas teve de trocar o jeans e a camisa pela farda. Depois de negociar a vida de 35 reféns, voltou ao Beira-Rio. Tinha outra missão a cumprir.


ENTREVISTA. “Eles ameaçavam matar os reféns”. Major Francisco Vieira, negociador da Brigada Militar

Zero Hora – Qual o momento mais tenso do assalto?

Major Francisco Vieira – Foram vários, como quando me aproximei da porta da agência, a pedido do assaltante. A negociação tem três fases: emotiva, quando o cara está nervoso, cognitiva, quando vê que será preso e negocia com mais calma, e caótica, que é a liberação dos reféns. É sempre uma situação tensa, pois, se alguém sair correndo ou fizer um movimento em falso, o assaltante pode atirar.

ZH – Eles estavam muito nervosos?

Vieira – Estavam, ameaçavam matar os reféns, mas meu trabalho é acalmá-los, fazer um acordo. Deixo claro que eles serão presos, mas ofereço garantia de advogado, de saída em segurança da agência. Em contrapartida, preciso dos reféns liberados com vida e sem ferimentos.

ZH –Quando o senhor percebeu que tinha o controle da situação?

Vieira – É uma relação delicada, pois num momento o assaltante desiste de tudo o que foi acordado e atira. Chego e elenco um dos bandidos para negociar, no caso o Gilson (Gilson Silva dos Santos). Só falo com ele. Foram umas 20 ligações. Pesou a favor o fato de não ser uma situação passional, quando o sujeito não teme perder a vida. Ali, os três tinham medo de morrer, já tinham passagem pelo sistema prisional. A negociação foi pura tática.

ZH – Vocês sabiam quem eram os assaltantes e quantos reféns havia no banco?

Vieira – No início do assalto não sabíamos, porque Gilson se apresentou com o apelido de Guerreiro, e só teríamos certeza dos números após o desfecho. As mulheres deles deram as identificações. Nossa inteligência buscou as fotos e as fichas do trio.

ZH – Por que a opção de negociar sem farda?

Vieira – Sempre mantenho um kit com roupa à paisana no quartel. O negociador é o elo entre os assaltantes e o mundo exterior. Eu preciso causar empatia, pegar a camaradagem dos caras. De farda, acabo assustando.

ZH – A Azenha é uma via movimentada e próxima do Palácio da Polícia. Os assaltantes escolheram o alvo errado?

Vieira – Foi azar deles e sorte nossa que o 190 foi acionado e uma viatura passava pelo local. Ocorreu tudo dentro do planejado pela BM.

ZH – E qual a sensação após o desfecho positivo?

Vieira – É um alívio. Eram 35 vidas ameaçadas que dependiam da minha habilidade com as palavras. Um erro poderia causar uma morte. Depois do assalto, meu corpo todo doía, parecia que eu tinha brigado com alguém.


Trio se envolveu com outros crimes

Até meados do ano passado, os três homens que aterrorizaram 35 reféns na agência bancária estavam reclusos em cadeias gaúchas. Pelos antecedentes policiais, Michael Silveira Nunes, 22 anos, Rafael Lopes de Almeida, 21 anos, e Gilson Silva dos Santos, 30 anos, não tinham registro de assalto a bancos. Tráfico, pequenos roubos e furtos, além de porte ilegal de armas, estão entre os delitos que se repetem em suas fichas.

Gilson estava foragido desde outubro do ano passado, quando cumpria pena na Colônia Penal Agrícola de Venâncio Aires. Sua biografia criminal data do começo dos anos 2000, com arrombamentos, tráfico de entorpecentes e porte ilegal de armas. Michael Silveira Nunes tinha passagens por tráfico de entorpecentes e foi indiciado pela morte de um homem em Viamão, em 2008. Cumpria pena no Presídio Central, até receber a liberdade provisória em setembro. Já Rafael Lopes de Almeida era foragido do Instituto Penal Irmão Miguel Dario, na Capital, desde setembro de 2011. Envolveu-se em um homicídio em Porto Alegre, em 2010, e em dois assaltos a transporte coletivo.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Resta parabenizar o Maj Vieira por mais este êxito conquistado dos vários que têm no seu brilhante currículo.

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